A Procuradoria-Geral da República obtém
evidências de que os senadores Renan Calheiros, Edison Lobão e Romero
Jucá receberam propina de empreiteiras pelo contrato da usina nuclear
DIEGO ESCOSTEGUY
ÉPOCA
Às vésperas das eleições do ano passado, já com a Lava Jato fazendo a República tremer, o empreiteiro Ricardo Pessôa, dono da UTC, encontrou-se com o presidente da Eletronuclear, almirante Othon Pinheiro. O almirante era o responsável pela retomada da construção da usina nuclear de Angra 3, parada desde a década de 1980. Naquele momento, após anos de negociações, os contratos, que somavam R$ 3,1 bilhões,
estavam prestes a ser assinados com o consórcio de empreiteiras
liderado por Pessôa. O almirante Othon, que fora indicado ao cargo pelos
senadores do PMDB, foi direto: “Vocês estão muito bem
qualificados, vão ganhar, então vocês vão precisar contribuir para o
PMDB”. Estava verbalizada, mais uma vez na longa história da corrupção
política do Brasil, a chamada regra do jogo – o uso criminoso da máquina
pública para enriquecer políticos e empresários, mantendo ambas as
partes no comando do Estado.
Até agora, sabia-se que Pessôa, que se tornou um dos principais delatores da Lava Jato, acusara Lobão de participar do esquema nas obras de Angra 3. Houve menções vagas, também, a negociações entre o cartel do petrolão,
com Pessôa à frente, e chefes do PMDB. Muito do que já se conhece da
delação de Pessôa, porém, restringe-se às propinas para as campanhas presidenciais do PT em 2006 (Lula), 2010 (Dilma) e 2014 (Dilma novamente), cuja investigação foi pedida sigilosamente
pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao ministro relator
do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki. Quase
nada se sabe sobre os bastidores – e as provas – da negociação e dos
pagamentos de propina das empreiteiras do consórcio de Angra 3 aos
senadores do PMDB. Segundo as investigações, se cartel havia entre as
empreiteiras, cartel havia também entre os senadores do PMDB. E esse
cartel do Senado é o próximo alvo de Janot e sua equipe – uma caça que
se desenrolará nas semanas que virão, ameaçando ainda mais a frágil
estabilidade política que ainda resta no Congresso, especialmente após a
dura denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também do PMDB.
ÉPOCA obteve acesso ao material de caça de Janot. Trata-se de um
conjunto de documentos das investigações da Procuradoria-Geral da
República (PGR), da Polícia Federal e da força-tarefa da Lava Jato em
Curitiba sobre a participação dos senadores do PMDB no esquema de Angra 3
– a maioria deles, inéditos. A reportagem também entrevistou
investigadores, parlamentares e operadores do PMDB. Dessa apuração,
emergem os detalhes desconhecidos do caso que, até o momento, destaca
com mais força o envolvimento da trinca do PMDB do Senado – o presidente
da Casa, Renan Calheiros, Romero Jucá e Lobão
– na Lava Jato. Eles já são investigados no Supremo por suspeita de
participação no petrolão. Renan, por exemplo, será denunciado em breve
num desses processos. No eletrolão, que mimetizava a roubalheira da
Petrobras na Eletronuclear e na Eletrobras, descobre-se não somente que
os três chefes do PMDB no Senado são acusados de receber propina –
descobre-se que eles negociaram o pedágio pessoalmente, sem intermediários, como homens de negócio.
Nas próximas semanas, Janot pedirá a Teori autorização para investigar Renan e Jucá no
caso de Angra 3 – Lobão já é investigado. Entre os investigadores, as
últimas semanas foram tensas. Muitos queriam denunciar a turma do PMDB
do Senado antes da sabatina de Janot na Casa. Também pressionavam para
que o procurador-geral pedisse logo, formalmente, a investigação contra
Renan e Jucá no caso Angra 3. No final de julho, os delegados da PF que
atuam na Lava Jato, em Brasília, cobraram Janot e sua equipe, por
escrito: por que não investigar Renan e Jucá no caso Angra 3? Janot
optou pela estratégia de aguardar a recondução para, em seguida, partir
para o ataque à turma do Senado. Ele foi reconduzido há duas semanas, com tranquilidade. Agora, sua equipe acelera os trabalhos para preparar os torpedos contra o PMDB do Senado.
O questionamento dos delegados sobre Renan e Jucá também foi enviado ao
ministro Teori. Eles tinham razão em reclamar. As provas do caso
apontam igualmente para os três senadores do PMDB. Há quatro delações
premiadas, fechadas ou em andamento, algumas conhecidas e outras
sigilosas, que fornecem as principais provas do que ÉPOCA narra nesta
reportagem. A principal é a do empreiteiro Ricardo Pessôa, que tratava
diretamente com os senadores e o almirante Othon. Há, também, as
delações de dois executivos da Camargo Corrêa: Dalton
Avancini e Luiz Carlos Martins. Martins era o homem da Camargo no
projeto Angra 3. Está falando aos procuradores em Brasília. Há, por fim,
a delação de Walmir Pinheiro, diretor financeiro da
UTC, o encarregado de entregar a propina aos senadores do PMDB – e a
muitos outros políticos. Teori, até agora, ainda não homologou a delação
de Walmir Pinheiro. Em sigilo inquebrantável estão, por enquanto, as
provas de que políticos com foro recebiam propinas em contas secretas em
paraísos fiscais. Neste caso, também, há mais delações premiadas.
Outro lado
Os senadores do PMDB negam, veementemente, qualquer
participação no eletrolão. Lobão disse, por meio de seu advogado: “A
hipótese é completamente uma fantasia e o delator não tem nenhum
compromisso com a verdade. Pura ficção mental”. Renan admitiu ter se
encontrado com Pessôa – mas apenas isso. “O senador informa que esteve
com o empresário mencionado. A doação obtida em nome do Diretório foi
dentro do que prevê e permite a lei. O Senador agrega que jamais
solicitou doações que fossem consequência de quaisquer impropriedades e
que não se sente devedor de nenhum doador. O Senador também não conhece
nenhum diretor da empresa responsável pela obra citada”, disse, em nota.
O senador Romero Jucá também negou tudo. “Não tenho conhecimento da
delação e estou à disposição para prestar qualquer esclarecimento que o
Ministério Público pedir. Não participei de nenhuma irregularidade em
contratos com qualquer estatal”, disse, por meio da assessoria. Rodrigo
Jucá não quis se pronunciar. O Consórcio Angramon, composto das empreiteiras que venceram os contratos de R$ 3,1 bilhões, negou qualquer irregularidade:
“O Consórcio Angramon nunca efetuou nenhum pagamento de propina. Não
podemos responder pelo que supostamente teria sido feito individualmente
por qualquer pessoa ou empresa, mas podemos afirmar que todo ato
relativo ao consórcio foi e está sendo executado dentro da legislação”. A
UTC diz que não comenta casos sob investigação. Sibá Machado não
retornou as ligações de ÉPOCA.
Na quinta-feira, o juiz Sergio Moro aceitou denúncia do MPF contra o
almirante Othon e dirigentes das empreiteiras do cartel. Em sua decisão,
Moro disse: “O caso é um desdobramento dos crimes de cartel, ajuste de
licitação e propinas no âmbito da Petrobras, sendo identificadas provas,
em cognição sumária, de que as mesmas empresas, com similar modus
operandi, estariam agindo em outros contratos com a Administração
Pública, aqui especificamente na Eletrobras Termonuclear S/A –
Eletronuclear”. A regra do jogo está sob perigo.
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