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terça-feira, 13 de setembro de 2016

“O beijo, Eduardo Cunha, é a véspera do escarro. Acostuma-te à lama que te espera”




“Vês!
Ninguém assistiu ao formidável/
Enterro de tua última quimera./
Somente a Ingratidão - esta pantera -/
Foi tua companheira inseparável!”

Por Reinaldo Azevedo


Ofereço um texto literário para o ex-deputado Eduardo Cunha (PDMB-RJ) enfrentar este momento difícil. Não resolve a vida dele de imediato, eu sei. Mas, ao menos, o político tem a chance de refletir um pouco sobre a natureza humana e fica sabendo que ele não é a única pessoa no Brasil a ser vítima da ingratidão, da traição, dos seus iguais… Trata-se de “Versos íntimos”, de Augusto dos Anjos:
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Cunha foi cassado por quebra de decoro, acusado de ter mentido numa CPI sobre a existência de dinheiro depositado no exterior. Sim, ele tinha. “Ah, era só beneficiário de um trust, não conta”. Ora, ora… Era o tal dinheiro que ele dizia não ter.

O placar foi humilhante: 450 votos a 10, com 9 abstenções. O resultado não foi surpreendente, mas o placar sim: nem os que torciam pela cassação esperavam tanto nem os que decidiram resistir ao lado de Cunha se achavam tão poucos. Desde a abertura da sessão, a coisa se afigurava ruim para o deputado. Ele, que conheceu com tanta ênfase o beija-mão, passava pelo dissabor do escarro. Foi abandonado por todos.

Atenção, segundo a Alínea b do Artigo 1º da Lei Complementar Nº 64, depois alterada pela Lei Complementar 135, a da Ficha Limpa, Cunha está inelegível até 31 de dezembro de 2026 — isso inclui o tempo que falta para o termino desta legislatura, que expira em 2018, e os oito anos subsequentes. Ele só recupera o direito de se candidatar em 2027 (tudo a depender, claro, do que aconteça com ele na esfera criminal), ano em que, mantido o calendário, não há eleição. Só poderá voltar a disputar um cargo eletivo em 2028, quando estará com 70 anos.

Chega ao fim o mais longo processo de cassação de um deputado da história. Tudo começou no dia 13 de outubro de 2015, quando o PSOL e a Rede entraram com uma denúncia contra o deputado, no Conselho de Ética, por quebra do decoro parlamentar. Ficou, então, evidente que ele havia mentido, num depoimento a uma CPI a que comparecera espontaneamente, sobre a inexistência de recursos seus no exterior.

A partir do início da tramitação da denúncia, assistiu-se a um espetáculo dantesco, com manobras as mais impressionantes para tentar retardar o processo. Ocorre que, quanto mais Cunha esticava a corda, tentando evitar que o processo chegasse ao plenário, mais o Ministério Público Federal ia revelando as entranhas de sua atuação. Nunca ninguém achou que ele fosse uma madre dos pés descalços. Mas poucos enxergavam o Mr. Hyde que o sem dúvida brilhante Dr. Jekyll escondia.

É até possível que Cunha tivesse sido cassado antes, não tivesse manobrado tanto. Mas não por 450 a 10. À medida que ele foi provocando sucessivos adiamentos, deu tempo para o Ministério Público escrever a sua biografia.

E se chegou, então, a esses números.

Cunha está acabado para a política.

A menos que decida fazer vítimas.

13/09/2016



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