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sábado, 14 de abril de 2018

'Perigo de guerra nunca foi tão grande desde a Guerra Fria’, diz social-democrata alemão



Míssil americano corta o céu de Damasco:
EUA, França e Reino Unido lançam ataque contra instalações de armas químicas na Síria

Hassan Ammar / AP


Para Matthias Platzeck, Estados Unidos têm interesse em ocupar mercado da Rússia na venda de gás à Europa


Por Graça Magalhães-Ruether
/ Especial para o GLOBO

Em novembro de 2017, presidente russo, Vladimir Putin, e seu homólogo americano, Donald Trump, caminham lado a lado no Vietnã
JORGE SILVA / AFP

BERLIM – Para Matthias Platzeck, diretor do Fórum Russo-Germânico e ex-presidente do Partido Social-Democrata alemão, hoje parte da coalizão de governo da chanceler federal Angela Merkel, nunca desde 1945 o perigo de uma grande guerra foi maior do que atualmente. Embora nem os Estados Unidos nem a Rússia tenham interesse em ir às últimas consequências, “há o risco de uma guerra por acaso”, afirma. Platzeck diz que os assessores de Donald Trump sofrem de “russofobia” e aponta que, entre os interesses enunciados pelos governo americano ao impor novas sanções à Rússia, na semana passada, está a disputa pelo mercado de gás na Europa, hoje dominado por Moscou — os Estados Unidos querem vender gás liquefeito aos europeus.

Deveria ser criada uma lei internacional para a proibição da comunicação oficial via redes sociais?

Se fosse possível, defenderíamos essa lei. Mas o problema não é somente a comunicação por tuítes. Donald Trump é cercado por assessores carregados de “russofobia”. Muitos acham que, quando acusam a Rússia de alguma coisa, não precisam nem fundamentar porque partem do pressuposto que da Rússia só vêm o mal e o destrutivo.


Trump voltou atrás na ameaça, mas não excluiu a possibilidade de ataque militar à Síria. Como seria essa confrontação militar entre americanos e russos em território sírio?

O perigo de uma escalada, de a situação ficar fora de controle, seria explosivo, muito maior do que no auge da Guerra Fria. Naquela época, a confrontação era entre dois grandes blocos, um liderado pela União Soviética e outro pelos Estados Unidos. No caso da Síria, são pelo menos seis potências globais e regionais, cada uma com interesses diferentes. A possibilidade de uma ação militar ou ameaça se tornar uma grande guerra é o que chamo de a “guerra por acaso”. Hoje os sistemas de armas são eletrônicos, e as reações super-rápidas. É verdade que os especialistas dizem que nem os EUA nem a Rússia têm interesse em deixar o conflito escalar até tal estágio. Mas a situação está superaquecida, e na troca de farpas e no clima de nervosismo um conflito militar pode crescer rapidamente e terminar com o uso de armas atômicas sem que ninguém queira.

O conflito entre a Rússia e o Ocidente recomeçou depois da anexação da Crimeia e da guerra no leste da Ucrânia e ficou ainda mais grave com o ataque químico na Síria. Que saídas seriam possíveis nos dois casos?

Não é com meios militares que os problemas podem ser resolvidos. No caso da Ucrânia, a melhor opção são tropas de paz da ONU. O caso do ataque químico na Síria é muito grave. Mas, antes de um ataque militar, seria necessária a conclusão da investigação e provas da autoria. Não podemos punir um suspeito antes de comprovar a sua culpa. Sobre a ocupação da Crimeia, soluções diplomáticas são possíveis, uma negociação pode terminar com sucesso mesmo que seja com compromissos.

Na era de Willy Brandt (chanceler alemão de 1969 a 1974) e do seu assessor de assuntos especiais, Egon Bahr, foi criado o conceito de “transformação através da aproximação”, a chamada Ostpolitik. Bahr, que com Brandt criou a Ostpolitik, queria levar adiante o plano de distensão no conflito Leste-Oeste, mas um obstáculo era a situação dos países bálticos (Letônia, Estônia e Lituânia), que tinham sido anexados por Moscou em 1940. Bahr resolveu pôr o tema, para o qual não era ainda possível um consenso, debaixo da mesa, para poder negociar os assuntos para os quais era possível uma solução. O resultado foi a Conferência de Helsinque e as negociações para o controle de armas que contribuíram para o fim da Guerra Fria e a abertura no Leste Europeu, processo durante o qual os países do Báltico readquiriram sua independência. O mesmo método poderia ser usado hoje. Os conflitos da Síria e da Ucrânia só podem ser resolvidos por meio do diálogo e de negociações, e não com o uso de armas.

Na sua opinião, políticos como Trump usam o assunto para desviar a atenção dos seus problemas internos?

Tanto Trump quanto Theresa May tiram proveito de uma nova piora nas relações com a Rússia. O que mais me preocupa é a imprevisibilidade de políticos que podem com isso pôr em risco a paz na Europa.


Nações ocidentais flertam com intervenção militar na Síria, e destino de locais é incerto
NAZEER AL-KHATIB / AFP

Os políticos eram mais previsíveis na Guerra Fria?

Nós tínhamos também na República Democrática (Alemanha comunista), onde eu vivia, medo de uma Terceira Guerra Mundial, sobretudo depois de três acontecimentos: a construção do Muro de Berlim (1961), a Crise dos Mísseis em Cuba (1962) e a Primavera de Praga (1968). Os políticos da Europa eram mais previsíveis. A crise de Praga só não terminou em uma guerra quente entre o Ocidente e a União Soviética por causa da intervenção de Willy Brandt, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1970. A Ostpolitik teve um papel muito importante para evitar uma guerra nessa época.

Por que a Alemanha não usa a sua proximidade maior com Moscou para de novo moderar entre russos e americanos?

Trata-se de uma pergunta que é difícil de responder. A Alemanha deve usar de novo a sua influência para o restabelecimento do diálogo com Moscou. Nós temos uma responsabilidade moral para com a Rússia por causa dos 27 milhões de mortos, só da União Soviética, vítimas das forças armadas nazistas, militares e civis mortos na Segunda Guerra Mundial em nome da Alemanha. Por outro lado, não vejo muita lógica nas acusações feitas a Moscou. O país investiu bilhões de euros nos preparativos da Copa do Mundo. Não acredito que o Kremlin seja leviano o bastante para pôr tudo isso em risco. Envenenar um ex-agente, ainda mais de uma forma que deixa claro imediatamente ser o maior suspeito... O mesmo eu diria sobre o caso da Síria. A economia russa está arruinada com as sanções. O gás, que fornece para a Europa, é uma grande fonte de renda. Acontece que os Estados Unidos vêm desde há algum tempo procurando vender mais gás liquefeito para a Europa. Para isso, já foi construído um terminal na Polônia. O documento americano que define as sanções contra a Rússia revela que um aumento da venda de gás liquefeito para a Europa ajudaria a criar empregos nos Estados Unidos.

A Rússia executa atualmente uma política externa agressiva porque quer voltar a ser uma superpotência como foi durante a Guerra Fria?

É verdade que a Rússia cultiva a sua área de influência na Síria e na Ucrânia, onde luta também para voltar a ter a importância de outrora. Para compreender a política russa atual, precisamos voltar ao passado, ou seja, aos anos 1990, pouco depois da desintegração da União Soviética. Na época, a Rússia enfrentou uma grave crise econômica e de identidade. Há pesquisas que revelam que os russos consideram esses anos do governo de Boris Yeltsin ainda piores do que a era de Leonid Brejnev, no auge da Guerra Fria. Putin, o sucessor de Yeltsin, resgatou de novo o orgulho dos russos e a economia do país, apesar da situação atual difícil.

13/04/2018

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